POLÍTICA

TCU ameaça condenar Guedes se governo não definir meta fiscal





 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, corre o risco de sofrer uma condenação pelo plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) caso ignore o alerta enviado pelo órgão e deixe de enviar ao Congresso uma meta fiscal para o resultado primário de 2021. 

O plenário do tribunal decidiu por unanimidade, há cerca de 20 dias, comunicar ao governo que atuar com meta flexível é não ter uma meta, o que significaria cometer crime de responsabilidade. 

Na avaliação de técnicos do tribunal, se essa situação persistir, uma possível condenação de Guedes deverá respingar no presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e abrir caminho para um processo de impeachment, como ocorreu com Dilma Rousseff (PT). 

A flexibilidade da meta fiscal (receitas menos despesas) foi proposta pela equipe econômica em abril, quando o governo teve de mandar o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021 ao Congresso. 

A proposta muda de forma significativa a interpretação sobre a legislação orçamentária do país em meio a uma série de incertezas sobre o rumo fiscal do governo a partir do ano que vem. 

O governo propôs no texto que o valor da meta seja ajustado ao longo de 2021 e adaptado às estimativas feitas a cada dois meses de receitas e despesas para o ano. Na prática, isso liberaria o governo de perseguir um limite fiscal. 

Nos bastidores, o próprio Ministério da Economia reconhece que o mecanismo elaborado faz a meta fiscal de 2021 ser inexistente. 

A justificativa é que, durante a elaboração do PLDO, a incerteza sobre os rumos da economia com a pandemia do novo coronavírus era elevada e, por isso, seria difícil prever um resultado fiscal para o próximo ano. 

Em outubro, o TCU não só fez um alerta ao Executivo como também informou à CMO (Comissão Mista de Orçamento) do Congresso que a ideia não atende a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) nem a Constituição. 

Para o TCU, a proposta da meta móvel subverte a regra de resultado fiscal e torna ineficaz seus propósitos, "o que pode fragilizar os esforços para assegurar a consolidação fiscal e a trajetória sustentável do endividamento federal", nas palavras dos ministros no acórdão sobre o assunto. Para eles, ficaria comprometido ainda o controle da execução orçamentária em 2021. 

"Embora a meta de resultado primário apresentada possa ser justificada pelo caráter excepcional das circunstâncias atuais, sua recorrência não poderá ser tolerada, por afetar o planejamento fiscal responsável [...] e a credibilidade do governo perante os agentes econômicos", afirma o acórdão do órgão de controle. 

A equipe econômica expressou recentemente que iria discutir uma possível mudança na proposta, mas ainda resiste e prefere deixar a decisão para o Congresso. 

"A posição atual é que temos uma redução do nível de incerteza, o que permite analisar com mais precisão [os números do ano que vem]. Nos colocamos à disposição do Congresso para discutir as cláusulas do PLDO", disse recentemente o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. 

O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, expressou visão semelhante, mas avalia que uma mudança no texto enviado ao Congresso teria suas desvantagens. 

"Projetar uma arrecadação para 2021 é muito mais preciso hoje do que antes, mas ainda assim existe incerteza. Vale um debate no Congresso, para analisar esses prós e contras", disse Funchal. 

A equipe econômica aposta em uma aprovação do PLDO, argumentando que as despesas em 2021 só podem ser executadas após aval do Congresso ao texto. Segundo essa visão, os parlamentares têm interesse em aceitar a proposta antes do fim do ano. 

Mas a PLDO está há mais de sete meses travada no Congresso, tendo como pano de fundo a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. A não aprovação até 31 de dezembro pode travar a execução de qualquer despesa a partir de janeiro. 

O TCU já pediu ao Ministério da Economia que se manifeste sobre quais medidas seriam adotadas para permitir a execução do Orçamento caso o texto da PLDO não seja aprovado até o fim do ano. 

O Ministério da Economia tem afirmado que não há um plano B e que o caminho é ter o PLDO aprovado ainda neste ano. 

Para os técnicos do TCU, essa alternativa é arriscada para o governo. A única exceção mencionada seria o Congresso alterar a LRF, prevendo a flexibilização da meta —algo considerado arriscado demais porque seria um sinal negativo, de descontrole fiscal, ao mercado. 

Outra saída seria o governo negociar com o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a renovação do estado de calamidade pública e, por consequência, do Orçamento de guerra (que suspende regras fiscais). 

Somente isso poderia, ainda segundo a análise dos técnicos do TCU, isentar Guedes e o governo de responsabilidade por não definir uma meta fiscal. 

No entanto, assessores de Bolsonaro consideram essa solução difícil porque, nos bastidores, o governo trabalha pela eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara. 

Para os articuladores do Planalto, mesmo com maioria formada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal para que o deputado continue como réu em ação por corrupção passiva, uma condenação só viria depois do término do mandato de dois anos —o que o habilitaria para o posto. 

Maia, que deixa a presidência em fevereiro, já declarou a aliados que não colocará a renovação da calamidade em votação caso o governo envie uma nova proposta sobre o tema até o fim deste ano. 

Portanto, as regras fiscais voltam a vigorar em sua plenitude a partir de janeiro, vencido o prazo da calamidade. 

O governo considera que Maia só mudaria de posição se o governo fechasse acordo com ele pela recondução ao comando da Câmara, algo que depende não só de um aval do Supremo Tribunal Federal como dos votos na eleição, que é fechada. E aliados de ambos os candidatos afirmam que Maia estaria em desvantagem neste momento. 

Juliana Damasceno, especialista em finanças públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirmou que o governo deixou de considerar a Covid-19 nos números do Orçamento de 2021 e que a prorrogação do estado de calamidade não reúne consenso do ponto de vista legal. 

Nos debates dos quais participa, muitos especialistas defendem que a Covid não é mais um evento imprevisto em 2021. Sob essa visão, créditos extraordinários (fora do teto) contra a pandemia não seriam mais justificados. 

Ela afirmou que o governo precisa encontrar uma solução sólida para o problema social, sem contabilidade criativa. 

"Temos uma oportunidade de ouro de redesenhar programas. Mas para tudo isso precisamos de um sistema de cadastro muito bom e de investimento em análise periódica de políticas públicas. O governo inclusive prometeu que iria fazer um programa de avaliação de gastos, e não fez isso", afirmou. 

"Não tem mais margem para ficar cortando. A gente não tem margem para um programa social robusto, então chegou a hora de rever renúncias, cortar gastos tributários e rever diversos programas sociais", afirmou. 

About Redação

0 comments:

Postar um comentário

Tecnologia do Blogger.